segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Um acontecimento de HAPE High Altitude Pulmonary Edema, por Thomas Schulze, história verídica.

EDEMA PULMONAR DE MONTANHA

            Era minha sexta expedição. Eu estava levando um brasileiro para um 6.000 metros* na Cordilheira dos Andes na Argentina, próximo a cidade de Mendoza.
            Após alguns dias de aclimatação, atingindo pequenos cerros de 3.000 metros de altitude, estávamos no acampamento base “El Salto d’Agua 4.300”. Chegamos no dia anterior e agora, programei pequenos passeios e a oportunidade de apresentar as técnicas de progressão sobre a neve. Escolhi uma “língua de neve” endurecida a 4.500 m para isso.
            Eu, meu cliente, minha ajudante (e esposa), e um casal de argentinos da cidade de Santa Fé, na província de mesmo nome, que conhecemos uns dias antes, acompanhávamos nas práticas das técnicas.
           O casal tinha observado negativamente a atitude de algum guia de montanha da região (não entramos em detalhes) que, caminhavam muito rápido, deixando os clientes para trás ou exaustos. E por isso, a sua pequena equipe (o casal) se juntara a nós.
(*) O Cerro Plata fora remedido e atualmente tem a marca de 5.947 metros de altitude. Muitos sites, inclusive alguns famosos mantêm as antigas marcas de 6.300, 6.100 e 6.000 metros de altitude.
            Subíamos e descíamos observando as técnicas de deslocamento com os grampons* e piolets**. Minha ajudante ficara na trilha em um ponto mais elevado fotografando nossa atividade. Derrepente ela me chamou e pude observar uma silueta humana com uma mochila enorme, ao seu lado. Fomos ao seu encontro. Era homem. Aparentava uns 30 anos. E seu rosto estava desfigurado pelo frio e pelo cansaço. Seu lábio estava rachado com sangue coagulado, sua face com queimaduras ocasionadas pelo sol ou pelo frio. Dividimos o equipamento dele em nossas mochilas. Ele, escoltado por nós, aos tropeços, chegou ao acampamento base. Montamos sua barraca e pode descansar. O casal de argentinos que nos acompanhava era composto por um médico (clinico geral) e uma advogada.
(*) Grampons é uma plataforma metálica de aço (existe de liga de alumínio) presa na bota por meio de alavanca ou correias, com pontas afiadas para baixo, fazendo com que se possa caminhar sobre neve dura ou gelo escorregadio sem deslizar e ocasionar um incidente ou acidente (alguns acidentes podem levar a óbito).
(**) Piolet é uma espécie de picareta leve feita de aço ou liga de alumínio com uma ponta em curva de um lado e uma “enxada” pequena do outro com um cabo comprido (antigamente de madeira e atualmente de liga de alumínio ou fibra de carbono), própria para deslocamento sobre neve ou gelo (inclinados). Também é chamado de machado para gelo, pois as primeiras ferramentas para isso eram de cortar o gelo para fazer degraus. Atualmente com o uso combinado de piolet de marcha e grampons, servem para auxiliar o deslocamento (para cima, para baixo ou lateralmente) e para travamento em caso de queda do alpinista. 
            O médico pediu meu estetoscópio emprestado, pois era o único no acampamento inteiro. Outras expedições com “guias” especializados, não tinham esse equipamento simples e de baixo valor. Foi constatado HAPE – Edema Pulmonar de Alta Altitude. O médico, apesar de não ter especialização em doenças relacionadas com altitude, começou a ficar preocupado. O casal, após uma longa conversa particular em sua barraca, sobre responsabilidades legais, decidiu abandonar sua expedição e acompanhar o andinista moribundo montanha abaixo. 
            Emprestamos uma mochila de ataque e revisamos os itens principais como lanterna, água e comida. O edemado levantou-se com dificuldade e, cambaleando acompanhou a dupla de jovens andinistas, que, já na sua primeira expedição já desenvolvia o espírito de solidariedade de montanha. Onde a vida é prioridade.
            Esse trajeto, do acampamento base para os primeiros grupos de casas (refúgios e hospedagens) lá embaixo a 2.800 metros de altitude, pode ser feito em 4 horas. Esse percurso, subindo e respeitando a aclimatação, é vencido em alguns dias, de 3 ou 4. Eu em um processo de aclimatação, já fizera em 10 horas, de 2.800 a 4.300 (acampamento base) e voltando a 2.800, para o refugio onde estava instalado.
            O trio deixou o acampamento de tarde pelas 15 horas. Desceram o sinuoso e abrupto acesso a esse acampamento, percorrendo, também, a trilha sobre um filo estreito com quedas de 3 a 5 metros de altura em ambos lados. “El Infernillo” é o seu   nome. Esse percurso foi assim batizado, pois no inverno, com neve e ventos fortíssimos o andinista é empurrado para esses mini abismos.
Ao longe acompanhávamos as três “formiguinhas” em uma trilha cinza clara sinuosa. Cada vez menores, como 3 pontinhos, desaparecendo no meio dos desníveis do terreno.
            Sabemos, após alguns dias que eles demoraram 8 horas para, com segurança, levar o enfermo debilitado pela hipóxia (que parava freqüentemente), a civilização e com isso para auxilio médico especializado.
Nós retornamos ao cronograma da expedição, no mesmo dia em que tudo isso aconteceu.

Fim desse episódio.

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