segunda-feira, 22 de novembro de 2010

1996 Aconcagua Solo

1996 Aconcagua Solo.

   Em meados do ano de 1.996, estava eu pensando em passar uns dias na cidade do Rio de Janeiro, quando mudei de idéia e resolvi ir para a Argentina subir uma montanha chamada de Aconcagua.
   Relato:
    Procurando uma loja de equipamentos de escalada em Porto Alegre em meados deste ano, encontrei o “Rudha de Azevedo” na loja Ar Livre. Ele tinha fotos com neve. Conversando, surgiu a idéia de ir para o Aconcagua.
            Comprei uns equipamentos em Porto Alegre (mochila cargueira com 110 litros da marca Aconcagua, modelo Cordilheira. Barraca para duas pessoas da marca Ferrino, modelo Colorado, entre outras coisas). Em uma loja onde trabalha o Rafael Brito adquiri uma carta topográfica do parque e um livro: Aconcagua – A Climbing Guide de R.J. Secor, 1994, que fala muitas coisas do local (muitas coisas eu iria escrever muitos anos depois, esse livro foi apenas uma referência inicial).  
            Conversei com algumas pessoas, salientando o Rafael Brito que me forneceu muitas dicas.
            Planejei a expedição em dois meses. Peguei um desconto em férias de 25 dias, tempo que eu tinha disponível.
            A organização se deu na casa do meu avô paterno sr. Svem (casa que hoje não existe mais). Lá comecei a organizar a mochila de 110 litros. Na 7* arrumação ela ficou pronta, com quase tudo dentro e um pouco por fora.  
   Com um livro / guia do Aconcagua em inglês, comecei a organizar essa viajem.
   Espalhei 3 caixas grandes pra selecionar o material. Piolet de cabo de madeira e bastões de caminhada com tubo de PVC (não uso mais isso...)

Itens pré selecionados em caixas.

   Sem falar espanhol, selecionei as frases a serem usadas, as mais usuais e juntamente com um dicionário português-castelhano-português, resolvi provisoriamente, o fato de não dominar o idioma da Argentina.
   Eu iria para o Aconcagua sem mulas e solitário, com 45 kg de carga inicial.
   Dia 20 saí de Porto Alegre por volta das 19 horas, pela empresa Pluma, que fazia regularmente o trajeto Porto Alegre – Santa Fé na Argentina.
   Dia 21 cheguei a rodoviária de Santa Fé, pelas 10 horas. Com o dinheiro contado, não pude deixar a mochila no guarda volumes. Meu ônibus para Mendoza sairia as 20 horas. Fiquei ao lado da minha mochila o tempo todo e pude observar o andamento daquele setor por umas 9 horas.O embarque foi na rodoviária de Porto Alegra no dia .... O ônibus saiu pelas 19 horas. Na fronteira - Passo de los Libres - quem fez o pedido (autorização / documento para permanência na Argentina), foram os próprios. Eu nem desci do ônibus. 
   No trajeto teve muitas paradas, geralmente de 4 em 4 horas.
  Chegou! Olhei... parecia ter dois andares. Bem... colocar a bagagem, procurar o banco, tentar dormir um pouco.
   Dia 22 Noutro dia, pela janela percebi umas nuvens no horizonte... Passadas algumas horas, percebi outras nuvens.
   Não eram nuvens, era neve no topo de montanhas!!!
   Enfim, Mendoza! É só pegar o mochilão e ira para o ponto de taxi e fui para o hotel Savoy (?). Fiz a ficha, peguei um quarto com banheiro, larguei as coisas, fui ver do "permisso" (permissão / ingresso) para subir a montanha Aconcagua - a venda naquele ano era uma casa no parque San Martin. Te atendiam em uma janela, interessante, era o guichê...
   Dia 23 organização geral e turismo.
   Dia 24 Peguei o primeiro ônibus para  o vilarejo Puente del Inca pela empresa Uspallata. Viagem tranqüila sem contratempos. Pelas 10h e 30min estava em Puente. Quando tomava inicio da caminhada para a entrada do parque, um homem em uma caminhonete branca com a caixa aberta atrás, ofereceu uma "carona" para a entrada por 5 dólares. Cheguei em minutos. Apresentados os documentos de ingresso na portaria do parque, que na época era em uma cabana, tomei a trilha e me pus a caminhar. Passei por uma placa escrito "Confluencia 4 horas". Hum... Certo!...Levei 7 horas ! Cheguei exausto, mas ainda de dia. Encontrei um lugar para armar a barraca e pronto. Nota: este acampamento está atualmente instalado em um local maior e fica uns 15 minutos antes da posição anterior. 
   Eu tinha caminhado 7 horas em um ritmo caminha muito, descansa, caminha, parava, caminha... Eu tinha levado uns bastões feitos com tubo de P.V.C.. mas todos que passavam tinha os modernos bastões de caminhada telescópicos e, por vergonha não utilizei os meus até então.
   Dia 25 Natal. Fiz pequenos passeios locais. Com diferenças de altitude por volta de 100 metros. Na verdade eu não estava afim de fazer passeios fora das trilhas e acabar me perdendo (depois descobri que se perder é uma coisa relativa, ali neste acampamento, a não ser que a noite ou a visibilidade seja a causa).
   No entardecer, caminhei pelo acampamento e vi uma barraquinha que algum dia foi azul. Tinha uns remendos com "silver tape", aquela fita cinza. Na frente dela tinha uma bota de couro com uns 2 a 3 centímetros de sola descolada.... Uma panela toda amassada, formato semi circular, e os bastões...Varas de madeira (retangular!) e a empunhadura de tecido enrolado com barbante! Com esse material ninguém vai prestar atenção nos meus. Pelo menos minha barraca é nova, pensei. Amanhã vou usar meus bastões marrons de pvc !!!
   Dia 26  De manhã, ajeitei tudo e sai antes de muitos trakers. Na primeira hora fui ultrapassado por quase todos que passaram a noite neste acampamento. O trajeto de "playa ancha" ou praia larga foi sofrido, atravessei inúmeros rios pequenos, molhei meus pés, as botas... quando se faz uma curva acentuada a direita, caminhei mais umas dezenas de metros e parei. Estava cansado e sabia que não chegaria ao acampamento base naquele dia...
   Encontrei uma pedra grande e, mesmo sabendo que o local não oferecia total segurança quanto a avalanches de pedra, montei minha barraca. A prioridade máxima, era a água!!!
   Estava cansado... fui dormir, água amanhã na primeira hora!
   Dia 27 Desci uma ribanceira de 20 a 25 metros de desnível... tinha gelo sobra a água! Achava que era espuma, espuma de sabão ou detergente. Era gelo! Pelas 9 da manhã... gelo... A subida que foi desgastante. Coloquei a água barrenta em um filtro de café e depois a fervi. Eram uns dois litros. Muito pouco. Comi comida liofilizada. Usei o dia para descansar. Estava próximo a 32º41'36.60"S e 70º03'13.91"O e, a uma altitude próxima de 3.850 m.
   Dia 28 Desmontei acampamento e de manhã mesmo segui rumo ao acampamento base. Perto de "mulas ruínas" me engasguei com o último meio litro de água e acabei quase vomitando tudo...Estava a menos de meio quilômetro. Parei, descansei. Estava com uma sensação térmica de calor, apesar da temperatura estar amena. Por fim cheguei a esse ponto de referência. Encontrei uns argentinos e um francês, que falava muito bem o espanhol. O pessoal achou que eu era um europeu tentando falar castelhano, foi muito engraçado. Eu disse que era brasileiro, então um disse:"qual é o presidente do Brasil?" E me deu um branco... Não recordava... Depois de uns 3 minutos, lembrei da sigla FHC e disse Fernando Henrique Cardoso. Mas isso não os convenceu. Mostrei minha identidade e eles continuaram desconfiados. Então, o francês ofereceu água para nós e como achávamos que era apenas uma cortesia, recusamos e ele começou a derramar no chão... Não! Gritamos quase em coro. Ele disse que era para subir mais leve ao acampamento base. Ele tinha uma mochila muito pequena. Depois descobri que a maior parte dos equipamentos dele e de muitos outros, vão pelas mulas (já sabia disso, porém: assim fica mais fácil...). Comecei a subir. É uma rampa muito inclinada que se sobe em "zigue zague". Do ponto de referência que é esta casa destruída -ruínas - até o topo da "subida brava" deve ter uns 180 metros de desnível. É uma subida cansativa. Cheguei no topo muito cansado e derrepente me deu uma hemorragia nasal. Segurando o nariz com uma mão e procurando a caixa de primeiros socorros com a outra, fui procurando sanar o problema. Pronto: um "charuto" de gaze no nariz! Caminhando encontrei uma cabana do Exercito Argentino aonde pedi água. Me deram uns 400 ml e a caneca estilo militar de colocar em baixo do cantil era fabricado pela Eberle, cuja empresa situava-se em Caxias do Sul, cidade que resido.Me deu uma grande satisfação encontrar algo que foi fabricado em meu país. Pus-me a caminhar. Cheguei no acampamento base "Plaza de Mulas". Montei minha barraca. peguei minha mochila pequena e minha picareta de marcha e vi, lá longe um glacial. Fui para lá pegar gelo para derreter e fazer água. Jantei e fui dormir.
   Dia 29 Passei o dia descansando parecia que eu ainda estava cansado. Não tinha ido aos pés. Número dois, como chamo. Fui pegar água. À noite tomei 1/2 laxante.
   Dia 30 Nada de defecar. Comecei a ficar preocupado. Meus dias de expedição estavam começando a acabar. De noite tomei 1 e 1/2 laxante.
   Dia 31 Ainda bem que minha barraca era próximo ao banheiro. Defequei muito. Desde cólicas abdominais a tonturas. Sabia que era passagem de ano. Pelas 22 horas o acampamento base estava todo agitado, com pessoas gritando "Feliz Año Nuevo" para todos os lados. Comi chocolate. Pasmem... Atacou meu fígado! Dez horas e meia eu estava dentro do meu saco de dormir, tentando pegar no sono. Nem ví a passagem de ano. Lembro das pessoas soltarem aqueles sinalizadores vermelhos que é uma "bengala". Já que fogos de artifício com explosões são perigosos e podem provocar avalanches.
   Dia 01 Primeiro dia do ano! E eu com diarréia... Antes não ia ao banheiro. Agora penso em me mudar para o banheiro... Amanhã vou subir para o acampamento Berlim. Antes eu tinha todos os dias necessários para fazer o cume dessa montanha. Agora tenho cada vez menos dias...
   Dia 02 Acordei cedo. Está tudo pronto. São nove horas e o sol não iluminou o acampamento. Isso porque ele nasce atrás do Aconcagua. Olhei o termômetro. Doze graus negativos. Comecei a subir. Subia lentamente. Para facilitar a arrumação da mochila, coloquei as roupas no fundo, depois a comida e por fim o saco de dormir. Caminhava muito lentamente e descansava bastante. Caminhava uns 20 passos e descansava alguns minutos... Passaram-se umas seis horas. Eu estava cansado...Eu estava a uns 5.000 metros de altitude. Sentado observava a paisagem. Impressionante! Passou um guia por mim. Perguntou-me se eu estava bem. Eu o disse que sim, mas não o convenci... Ele sugeriu-me a descer. Ele estava com um cliente de fisionomia oriental. Trocamos as mochilas. Chegamos no "base", fiz um lanche com ele e parte de sua equipe, em uma barraca que se podia ficar em pé com mesas e cadeiras, e tonéis de comida. Coloquei minha barraca no mesmo lugar que tinha posto antes. À noite veio um médico a minha barraca e ele solicitou me comparecimento a enfermaria no dia seguinte.
   Dia 03 Fui a enfermaria e fiz uma avaliação. Diagnóstico: desidratação e inanição. Tratamento: beber muita água comer bem e no outro dia descer.
   Dia 04 Juntei minhas coisas e desci. No caminho encontrei uma moça canadense que estava com uma mochila enorme! Parecia uma enorme mochila e duas perninhas. Cheguei ao acampamento Confluencia. Me alimentei e passei a noite ali.
   Dia 05 Em umas 4 horas estava saindo do Parque Provincial do Aconcagua. Estava na estrada esperando o ônibus, mas resolvi descer para a vila Peunte del Ica e de lá embarquei para Mendoza, chegando no mesmo dia. E indo para o mesmo hotel.
   Dia 06 Fui ao mercado e comprei um sabonete hidratante, mas minha pele demorou para voltar ao normal.
   Dia 07 Para Santa fé.
   Dia 08 Para o Brasil e para Caxias do Sul.

F I M






sexta-feira, 23 de abril de 2010